Os
Bebês de Auschwitz
Wendy Holden
Globo livros, 2015
Sinopse: Em 1944, Priska, Rachel e Hanka chegaram a
Auschwitz determinadas a sobreviver e a defender a vida dos bebês que levavam
em seus ventres. Em Os bebês de Auschwitz, Wendy Holden narra as histórias
dessas jovens judias que resistiram bravamente ao horror dos campos de
concentração e aos trabalhos forçados na esperança de conhecerem seus filhos.
Além de investigar o passado, Holden acompanhou o reencontro de Eva, Mark e
Hana, os três sobreviventes nascidos dentro das instalações nazistas.
Holden equilibra a pesquisa rigorosa e a escrita
sensível para reconstituir as vidas de Priska, Rachel e Anka antes de 1938,
quando Hitler começou a impor restrições aos judeus. Entre o medo do avanço
Reich e a esperança pelo fim da guerra, essas mulheres viveram seus primeiros
amores, se casaram e sonharam com o futuro de suas famílias apesar do futuro
sombrio que se desenhava.
Priska e Tibor, Rachel e Monik, e Hanka e Bernd
fizeram tudo ao seu alcance para permanecerem juntos, mas com a deportação para
Auschwitz-Birkenau os casais foram separados. Cada uma das mulheres se viu
responsável por lutar por sua vida e pela de seu bebê. Elas receberam caridades
inesperadas, foram vistas com desconfiança e testemunharam o melhor e pior do
que o ser humano é capaz.
Wendy Holden recorreu a entrevistas, cartas e
diários, criando um relato comovente, que detalha a eficiência com a qual os
nazistas exterminaram milhares de judeus e mostra como pequenos gestos de
solidariedade permitiram que várias vidas fossem salvas. Mais que um relato sobre
o horror da guerra, Os bebês de Auschwitz é narrativa impressionante sobre o
amor materno, a persistência, a coragem e a gratidão.
“Às vezes, o simples fato de viver
já é um ato de coragem” Sêneca
Quando descobri esse
livro fiquei muito curiosa por dois grandes motivos: primeiro e mais forte trata-se
de um livro sobre a Segunda Guerra e uma de suas maiores implicações:
holocausto, como a historiadora informal que me sinto queria desesperadamente
esse livro para compor meu guia de estudo sobre Hitler e sua mente doentia em
uma tentativa de tentar entender. Em segundo lugar, não parava de imaginar como
esses bebês teriam nascido e sobrevivido a um dos mais nebulosos períodos históricos,
afinal com toda fome, violência e miséria cercando, como três frágeis bebês
teriam nascido e sobrevivido em condições tão subumanas? Sem apoio, cuidados ou
respeito para com suas mães?
A guerra trouxe muitas mudanças
para Priska, Rachel e Anka, três mulheres que não se conheceram, mas que
compartilhavam a fé judaica, fato que por si só foi determinante em suas vidas.
Três mulheres abastadas, com carreiras, afortunadas pelo conforto e pela felicidade
do casamento com homens que as amavam intensamente, com os quais compartilharam
inúmeros sonhos, mas que se viram em um inferno com a ascensão e dominação de
Hitler.
O nazismo se impregnou
na Europa como uma droga em um organismo frágil, de repente não eram todas as
pessoas seres humanos, alguns eram considerados impuros e deveriam ser
exterminados, com o máximo de crueldade possível, aliás. Nestas circunstâncias
a empatia e carinho por um semelhante foram substituídas por insígnias gravadas
em roupas, por letras “J” em carteiras de identidade, por direitos suprimidos, por
guetos.
“As pequenas coisas eram o que mais doía. O
professor que não ligava mais para convidá-la para dançar; as pessoas que
outrora a cumprimentavam na rua não falavam mais com ela ou viravam o rosto
quando passavam [...]” p. 26
Ao longo do livro o
leitor é convidado a conhecer essas três mulheres em suas miudezas, seus
sonhos, passados, parentes, seus amores, enfim suas histórias. Além de momentos
em que o leitor é convidado a rir com a singeleza de uma história de uma mulher
jovem, com aspirações, este também será tocado pela fragilidade e pelo medo que
a vida humana sofreu na década de 40.
“[...] Priska e Tibor não
conseguiam conceber que Hitler não estava brincando quando prometeu erradicar
todo ser humano de origem étnica indesejável a fim e criar uma raça pura.
Afinal de contas, os alemães eram o povo mais culto e civilizado do mundo. A
nação que produzira gênios como Bach, Goethe, Mozart, Beethoven, Einstein,
Nietzche e Dürer não seria capaz de criar um plano tão monstruoso. Ou seria?.”
p.38
Pelas páginas tanto eu
quanto você meu caro leitor será convidado a conhecer a tristeza mais profunda
de um campo de concentração. Todo o medo, a agonia e ansiedade são palpáveis, três
mulheres que emprestaram suas histórias para compor este livro único e rico, um
dos mais brilhantes que já li sobre a Segunda Guerra, o que não tem só
informações fruto de pesquisas bibliográficas, mas sim fotos, mapas, relatos,
dando uma dimensão da maldade e crueldade pelas quais três guerreiras de forte
devoção em si mesmas e por amor aos filhos que geraram e pariram em meio a tanta
destruição tiveram para manter-se de pé enquanto tantos caiam.
“A questão não era sobreviver mais
um dia. Era sobreviver mais uma hora.” p. 229
Não é apenas uma
história triste, mas sim uma história que vem a ensinar sobre a história que
faz parte do mundo. Vocês conseguem imaginar o que é viver torturado pela fome
e sede, pela doença, pela agonia de perder aqueles que ama, de ilusionar seu
tenebroso futuro em uma câmara de gás ou em meio a um vagão de gado,
transportado de um lugar a outro, de uma tortura a outra? Eu também não
imaginava tanto sofrimento sofrido a um semelhante e tão pouco tempo atrás, quanta
devastação e destruição em detrimento da busca desenfreada por poder e
dominação.
Muitos morreram, muitos
que nem se estima com certeza, muitos morreram sob as mãos da Gestapo, da SS,
em campos de concentração, com a fome assolando, destruindo seus corpos,
sugando suas sanidades, suas dignidades, suas humanidades. Priska, Anka e
Rachel viram isso de perto, enfrentaram diariamente privações, perdendo suas
belezas, suas sagacidades, sendo reduzidas a tão pouco que não sabiam mais o
que as humanizava, lutando para sobreviver não por elas, mas por aqueles
pequenos bebês que lutavam em seus ventres, lutando pela continuidade de uma
história que tivesse um final feliz.
“A fome virou uma tortura
constante, e a luta para encontrar comida, uma missão diária. Muitos ficaram
apáticos e deprimidos. O destino obrigara indivíduos, outrora orgulhosos, com
lindas casas e uma vida próspera, a conviver em intimidade com desconhecidos
adoentados. A única coisa que os unia era o sangue judeu. Forçados a respirar o
mesmo ar denso, que fedia a sujeira de gente que não se lavava, o medo e a fome
os reduziram a uma amargurada existência.” p.104
Sinceramente, um dos
melhores livros que li esse ano, sem dúvidas, sem ressalvas, instrutivo e
emocionante. Rico em informações, em detalhes que desconhecia e que somente
tendo contato com quem vivenciou as situações é que esses fatos vêm à tona. Me senti
como se fosse um daqueles homens, mulheres e crianças que foram tragados de suas
vidas por conta da alucinação alheia, ao passo que me senti extremamente
orgulhosa de três mulheres que tinham tudo para sucumbir, seja a dor da perda,
fome, doenças, Hitler ou Josef Mengele,
aos trens, ao trabalho escravo, mas que encontraram forças diárias para vencer
essas adversidades, elas assim como tantos outros que sobreviveram são símbolos,
neste livro elas não dão voz apenas as suas histórias, mas recontam a de tantos
outros que assim como elas foram marcados por toda a vida pelo que viveram.
“Graças à coragem, à esperança e à sorte, seus
filhos foram os primeiros prisioneiros de campo de concentração a receberam
nomes em vez de números, e, desafiando um dos períodos mais sombrios da
história, serão também, inevitavelmente, os últimos sobreviventes do
Holocausto. Este é seu legado” p.294
Uma mensagem muito
importante esta presente no final do livro e acho perfeitamente cabível trazer
essa citação para fechar essa resenha, “Os bebês de Auschwitz” tem um papel a
ser assumido e cumprido para com todos os mortos e com suas gerações que se
resume em uma necessidade de falar sobre o assunto, em contar e recontar, em
expor um lado da humanidade feio e que precisa ser combatido diariamente.
“É muito importante lembrar dos
milhões de pessoas que morreram, sobretudo daquelas cujas famílias e
comunidades foram totalmente destruídas. É nosso dever contar essa história,
para impedir que esse tipo de atrocidade venha a acontecer novamente.” p. 338